Era mais uma noite de insônia, o silêncio era absoluto, quebrado eventualmente por um latido ou o estalo dos móveis.
Não conseguia dormir pois havia estava irritado, muitos pensamentos rápidos sobre coisas que deram errado, expectativas frustradas, cobranças do trabalho, ideias divergentes. Será que os animais tem essas angústias, pensando sobre quais seriam os conflitos de um pássaro ou um gato.
Levantou da poltrona e se deitou no sofá, olhando para o teto, era branco, mas estava âmbar devido a luz quente de uma lâmpada.
Refletiu sobre essa distorção. Sobre as percepções. Sobre o que é real. Afinal, o que é um teto branco sem luz. Não é branco, e na verdade, mesmo iluminado seu reflexo será da cor da luz. Era uma idiotice, no final das contas o teto continua sendo branco, afinal foi pintado com tinta branca.
Esse breve pensamento, sem importância, já o deixou mais calmo, ou melhor, fez esquecer daquilo que incomodava, então talvez fosse importante. Mas não se deu conta disso.
O sono começou a chegar como uma sombra, e o ar começa a esfriar. Terminou de fechar a janela e viu alguma estrelas. Se havia algo de irreal nesse mundo, talvez as estrelas fossem o maior sinal do absurdo que é este mundo.
Somos muito bons em ignorar detalhes estranhos para que as coisas continuem fazendo sentido. É um vício do cérebro. Tirou essa frase de alguma memória antiga, isso parecia certo, profundo, no sentido de que se pensasse mais sobre isso algo importante surgiria. Mas não o fez, como na maioria das vezes.
O raso era mais simples, como nos noticiários, onde não há tempo para pensar e outra notícia já vem em seguida. São ótimos para a coesão social de eventos familiares e boêmios, ainda mais em tempos em que se pensa mais sobre polêmicas políticas do que sobre o que está próximo.
É mais um absurdo, murmurou sozinho. Opinar sobre coisas tão distantes, enquanto nem nossas próprias amizades e relações de trabalho não são tão claras. Enganamos e somos enganados o tempo pelos que estão próximos, é absurdo opinar sobre coisas distantes, é meramente repetir a ideia de outra pessoa.
Repetir, repetir, repetir, um dia após o outro, quase sempre a mesma rotina, os mesmos pensamentos, os mesmos arrependimentos. Se sentia escravo de sua mente. Uma mente preocupada demais. Invejava as pessoas alegres e expansivas, que gostam de falar, de se mostrar. Mas gostava mais de ficar só, sem o incomodo das outras pessoas.
Bocejou, e resolveu se entregar ao sono. Sabia exatamente como seria o dia seguinte, entediante, previsível, repetido, não importante, nada memorável, como a maior parte da vida. Uma vida de distorções, absurdamente rasa.